segunda-feira, 8 de março de 2010

O novelo de lã.

“Pra começo de tudo, eu jamais deveria ter escrito carta alguma.”

Assim começava um novo e longo farfalhar de folhas finas e amareladas. Havia naquele belíssimo rosto um desgosto tremendo em ler e pegar naqueles papéis, ele estava repetindo o fragmento pela quinta vez seguida, analisando minuciosamente cada palavrinha escrita, e ainda assim não acreditava que aquela frase ou até mesmo aquela segunda carta existisse. Puxava o ar para os pulmões com o desejo de uma criança que tem fome e que só o que vê pela frente é um latão cheio de lixos tóxicos, respirava por necessidade. Soltava suspirando, era quase um gemido. Apoiou o rosto pesado nas mãos, fechou os olhos e tentou se concentrar na pequena folha rosada que havia lido há menos de um mês atrás. Pensou no humor daquela manhã, respirou levemente buscando o aroma adocicado, da lembrança dos cabelos lisos entrelaçados em seus dedos, que ousara impregnar na carta, mas só o que conseguiu foi o cheiro da madeira que velha e desgastada descansava recostando-se ao maldito papel de parede encardido. Abriu os olhos e releu a primeira carta, permitindo às lágrimas que rolassem livres pelo rosto magro. Novamente tentou sentir o perfume, mas inalou apenas o indiferente do papel.

Desamparado ele deixou a verdade infiltrar em seu âmago sentindo uma das dores mais delicadas, porém das mais fortes que poderia imaginar para aquela situação. Mentalizou a primeira frase e seguiu os olhos marejados pela poeira que restava de um romance. Todas as palavras eram secas, frias. Como em um daqueles bilhetes escolares que nunca entregava para sua mãe onde a situação era dura demais para que que houvessem interjeições humorísticas ou sujeitos disfarçados em apelidos carinhos, a única coisa pela qual era chamado era de “você”, acompanhado de alguns adjetivos que ele preferia fingir não ver.

Ele percebeu dentro de si mesmo uma característica que jamais seu orgulho permitiria que fosse explanada a qualquer pessoa.Estava na carta, ela inconscientemente sempre soube e após duas semanas e meia de terapias percebeu o que ele não admitia. “... Um orgulho desiquilibrado acompanhado de uma carência absurda, que eu supri todos esses anos, você... Maldito”. Mudou de posição treze vezes, bebeu dois copos d'água no primeiro parágrafo e seus dedos não paravam de bater, um seguido do outro, no móvel rústico e escuro da sala. Passou os olhos pela última frase antes de ler o que estava acima dela, coberto por uma ansiedade horrenda, amassou a folha e a defenestrou antes de realmente ler a ultima frase.

“Não pense que estou e abandonando, é para o meu e o seu bem, faça uma terapia, você precisa mais do que qualquer um. E vê se dá um jeito nesse seu orgulho imbecil, eu gosto de você, e apesar de saber do seu amor e da sua necessidade, eu não POSSO parar a minha vida, desculpe. Merecemos alguém melhor.”

Encostou-se na parede, ao lado da mobília cansada, respirou fundo enquanto olhava à sua volta e repetiu em voz alta a frase que estava gravada em sua mente antes mesmo de começar a ler. Suas costas nuas arrastaram pela superfície desforme, arranhando, até que seu corpo desnorteado se apoiasse no perfeito ângulo de noventa graus que o tapete fazia com o concreto que estava enfeitado com quadros. Inundado por uma solidão e por um medo que sempre o perseguia, decidiu que não faria nada além de se deixar perder ao mundo. Ignorando completamente a mentira que a princesinha lhe havia dito como últimas palavras, ela não o amava e só.

Nenhum comentário:

Postar um comentário